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NÓIS DE TEATRO 15 ANOS: INSURGÊNCIA PERIFÉRICA

Posted by Nóis de Teatro On 04:55 1 comment



A garota cresceu. E aquela criança-esperança que movia o futuro foi tomada de arroubo pela perversidade violenta de um mundo que fabula sua própria crise, sua própria doença, sua própria farsa. Rodando em círculos de um tempo-espaço que tem se forjado na paralisia das totalizações, no obscurantismo conservador e reacionário, a garota se vê perdida, atônita, reconhecendo que o que antes parecia ter conquistado tem sido varrido como poeira pelos vaticínios da ordem e do progresso. Mas junto com a menstruação veio o pandemônio de hormônios a lhe desestabilizar. Na exceção ela reencontra “a regra” e na violência de um tempo sem rumo ela vê a matéria prima da transformação: o corpo.

Na festa debutante, a garota troca laços e fitas rosados pela máscara de gás, o braço erguido e o vinagre na bolsa... Já que seus sonhos viraram demônios a lhe perseguir, inquietar, incomodar, lembrando-lhe da sua sempre constante incapacidade de realizar, de prosseguir, de avistar um lugar melhor pra se viver; a garota desenha sua desrazão, sua despossessão, sua insurreição. Céticos insistem que é apenas rebeldia da juventude, mas, nesses 15 anos, foram tantas promessas de mudanças, tantos votos de cidadania, que o que se revela com maior efeito é a sensação colérica de que, de fato, tudo continua no mesmíssimo lugar e que, sim, ainda há muito por fazer. Mal ajustada no próprio corpo, ela vê a possibilidade de ser outra e, para isso, será necessário armar uma grande rebelião. Com apenas 15 anos, ela quer emancipação já!

Fuck The World Center!!!

A rebelião coloca-se em curso. Um montim de mulheres, pretos e pretas, trans, drags, sapatãos, viados e travestis estão armando a maior das insurgências: a periférica. Vindos do oco do mundo, “do que não tem governo nem nunca terá”, do que não tem e nunca terá centro, nem dono, nem patrão; Vindos de um tempo que se encharca de memórias e de desejos, entrecruzados, emparelhados; esse levante marginal diz que nada mais será como antes! Daqui em diante, o presente é insurgente e precisa ser recombinado, reacertado, abrindo a experiência à absoluta inquietude de agoras refeitos na insegurança primeira de um futuro por vir.

Juntando força à esse levante, a garota não abandona seu passado, pelo contrário, este aviva-se no presente como marca corpórea da experiência, do erro, do assombro, lembrando-lhe do irrepetível, do inegociável, do inaceitável. Colhendo cacos dessa história, ela recombina forças, reorganiza armas, abandona vícios, fortalece pacientemente suas potências, admitindo que sim, “o real é aquilo que resiste”. Por isso aposta na linguagem, na violência insurgente da arte como pólvora da sua revolução, do seu descontentamento com o modo como tudo tem Estado. Ela reconhece na periferia de sua arte, na insurgência preta, denegrida, mal amada, ressentida, viada, o mote real do que ainda pode construir um outro corpo, um outro mundo: o ataque imediato à infraestrutura branca, pálida e limpa de um mundo que parece não ter sentido o gosto azedo e fétido do bolo estragado.

Happy Birthday? Não. Nada mais será como antes!

A periferia sou eu. A garota somos Nóis.


Insurgência já!

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